quarta-feira, 30 de março de 2016

OS SINOS DO DESEJO

Acordou ouvindo o barulho de sinos. Muitos sinos. Centenas. Milhares. Blem... Blem... Blem... Blem... Aí pensou, estou sonhando. Ou então ficando louca.

Despertou com os gritos da mãe, ali, ao pé de sua cama:
– Acorda, Marlene. Você vai se atrasar, menina!
E, antes de sair, ainda gritando:
– E pare com essa mania de dormir pelada. Coisa mais feia!
A porta do quarto se fechou, e só então Marlene abriu os olhos. Primeiro o esquerdo, depois o direito.
Levantou-se coçando as axilas, as coxas.
Quando entrou no chuveiro, sentiu uma ligeira fisgada na cabeça.
Então se lembrou dos sinos. Do ventinho gelado na pele...
Sorriu. Amava dormir pelada.

Blem... Blem... Blem... Blem...

– Marlene!
– Já vou, mãe, já vou.

Levantou-se. Abriu a janela e espiou para fora. A noite desprendia os primeiríssimos sinais do amanhecer. Um momento único de cores, um mundo de desejos e odores.

– Mãe, ouviu algum barulho estranho hoje de manhãzinha?
– Que barulho?
– De sinos, sei lá.
– Não ouvi nada. E tome logo esse café, menina. Você vai se atrasar.

O vento soprava de leve, gelado. Marlene sentiu um arrepio na pele, por debaixo da camisola de seda...

Antes de sair, Marlene conferiu o batom no espelhinho que sempre carregava na bolsa.
Um rosa discreto.
Bem ao estilo de uma professora de Português, pensou com um sorriso, sem entender de onde havia tirado aquela ideia boba.

Lá adiante, a torrezinha da igreja apontava para as estrelas que aos poucos iam se apagando... Lá estava o sino. Muito pequeno, não podia fazer tanto barulho assim!

Entre um exercício e outro de orações subordinadas, Marlene notou aquele mesmo olhar verde e insistente em seus seios.
Estaria enganada?
Dessa vez, decidiu revidar:
– Rafael!
– Pois não, professora.
– Classifique a próxima oração.
– Hum... Eu acho que é... substantiva subjetiva!
Não, era objetiva direta.
Tanto que Marlene havia explicado!

Estou mesmo louca, pensou Marlene. Fechou a janela. Voltou para a cama. Cobriu-se da cabeça aos pés, e ainda assim a barulheira dos sinos continuou...

Ao sair da escola, foi na loja da Su e comprou duas camisetas, um short amarelo e também uma camisola de seda.
Em casa, almoçou e foi tirar uma soneca, antes das aulas da tarde.
Quarta-feira era o seu dia mais cheio. Marlene  não sabia se amava ou odiava isso.
Provavelmente amava.

Uma tortura. Um martírio. Cada vez mais forte. Cada vez mais verde. Cada vez mais perto...

À noite, Marlene vestiu a camisola de seda, pegou um livro de contos e deitou-se.
Logo estava ferrada no sono.
E não é porque o livro fosse chato, era cansaço mesmo.

Acordou ouvindo o barulho de sinos. Muitos sinos. Centenas. Milhares. Blem... Blem... Blem... Blem... Aí pensou, estou sonhando. Ou então ficando louca.

Nenhum comentário: