terça-feira, 13 de agosto de 2013

AH, ESSES NOSSOS AMIGOS!

A gente se encontrou no meio da rua. Levei um baita susto.
– Ei, cara!
O “cara” em questão se chamava Leo, e há tempos era meu amigo – não sei precisar exatamente desde quando.
Depois do abraço apertado, fomos andando e conversando.
– Como vão coisas, Alfredo?
– Mais ou menos...
– Mais pra mais, ou mais pra menos?
– Mais pra mais, sei lá...
– Me diz aí, o que você tem feito da vida?
– Nada de novo. A mesma rotina, a mesma vidinha de sempre...
– A mesma mulher também?
– Quem era mesmo? Faz tanto tempo que a gente não se vê, desde que você tomou chá de sumiço, que eu nem lembro quem era a “dona” da vez!
– Não era a... Lurdinha?
– Sim, era aquela pilantra mesmo.
– Pilantra?! Mas ela era tão legal!
– Legal no começo. Depois é que a peste mostrou as garras...
– O que aconteceu?
– Ela veio morar comigo, você sabe...
– Pois é... Me admirei muito da tua mãe ter aceitado!
– Aceitado? Qual o quê! Vivia dizendo pra eu me sair dela. Falava que tinha um mau pressentimento...
– E então?
– E então que eu devia ter escutado o conselho. Na primeira oportunidade, a sacana roubou o dinheiro que mamãe escondia debaixo do colchão...
– Foi mesmo?
– Ora se foi! Era muita grana, nem eu desconfiava que mamãe guardava aquilo tudo.
– E que fim levou a... ladrona?
– Se escafedeu. Nunca mais foi vista por aqui. Que nem você...
– Epa, mas eu estou bem aqui na sua frente, rapaz!
– É. Mas um dia deu no pé, né, seu doido? Justo nos dias em que a Lurdinha sumiu também... Me diz aí, por onde andou, esse tempo todo?
– Por aí...
– Por aí, onde?
– Fui pro Sul...
– Fazer o quê lá, rapaz, assim de repente?
– Me deu na telha, sei lá... Mas agora estou de volta, não vê?
– Vejo, sim. Sua tia é que deve estar radiante de felicidade.
– Também não exagera, né!
– Você até engordou, cara; você, que parecia um palito de picolé chupado!
Rimos juntos. Nos demos tapinhas nas costas.
Depois o Leo fez uma cara séria de dar medo.
– O que foi?
– Preciso te falar uma coisa, Alfredo...
– O quê, fala aí!
– Esse tempo todo, eu estive com a Lurdinha... Na verdade, viajei com ela.
– Como é que é? Você foi cúmplice do roubo?
– Não, claro que não! Eu só soube depois...
– Cara, é melhor você começar a se explicar!
– Calma, eu explico. Calma.
– Fala logo!
– Foi assim: naqueles tempos, a gente quase não se via, lembra? Você vivia viajando com seu chefe, sei lá. Pois então: uma vez, a Lurdinha foi lá em casa... Disse que tinha ganhado uma bolada, herança de uma tia rica, e queria viajar pra bem longe. Aí, sem mais nem menos, perguntou se eu topava ir com ela. Fiquei sem entender patavinas! Perguntei: e o Alfredo? Então ela fez uma cara assim meio triste e disse que vocês tinham rompido, acabado tudo...
– Desgraçada! Onde ela está agora, quero acertar as contas com ela!
– Ficou lá no Sul. Trabalha de garçonete, foi do que a gente passou a viver, quando o dinheiro da tua mãe acabou... Mas eu posso te garantir, Alfredo: só na semana passada foi que ela me contou o que fez...
– Por isso que você voltou? Podia ter ficado com ela até o fim da vida. Ia estar muito bem acompanhado!
– Eu não podia viver com ela, depois de saber da verdade. Além disso, estava com saudades da família, dos velhos amigos...
– Você é mesmo um sacana, Leo. Sempre foi!
– Isso é um elogio?
– Sacana. Sumir assim do mapa. Isso não se faz com um amigo, cara. Eu devia era te encher a cara de porrada!
– Melhor me pagar uma cerveja, não acha?
Tornamos a rir. Nos demos mais tapinhas nas costas.
O Leo perguntou:
– E sua mãe, cara, como está?
– Morreu tem dois meses...
– Sinto muito...
– Morreu de desgosto. Nunca perdoou a Lurdinha.
– ...
– Agora, imagina só se ela soubesse que você andava metido com aquela vagabunda!
– Eu não desconfiava de nada, Alfredo. Juro por Deus. Ela me convidou e eu fui, foi só isso!
– Está bem. Eu acredito em você.
– E então, me paga uma cerveja?
– Você não toma jeito mesmo, né?
Ele sorriu:
– Paga ou não paga?
– E eu tenho escolha? Me fala!
Ele me pegou pelo braço e nos dirigimos ao primeiro bar que avistamos.
Ele sempre sorrindo.
Eu também.
Daí que, enquanto a gente bebia e conversava, foi me batendo uma tristeza muito grande. Uma tristeza como nunca eu tinha sentido antes, pode crer.
Até hoje, anos depois daquele encontro na rua, não consigo entender o que aconteceu comigo naquela noite, ali no bar.
Só me lembro de ter saído de lá cambaleando com o Leo. Quando acordei, no dia seguinte, estava no sofá de casa. Havia umas manchas esquisitas em minhas mãos, parecia sangue... Estranhamente, eu não tinha ferimento algum!
Deduzi então que o Leo podia ter caído, já que estava mais bêbado do que eu, aí se machucou, e com certeza socorri ele.
Se foi isso mesmo, o certo é que o ingrato nunca mais deu as caras por aqui, pra agradecer.
Cheguei a ir na casa da tia dele, mas ela falou que nem sabia que o Leo tinha aparecido.
Pensei: o sacana deve ter voltado pra Lurdinha dele, outra vez...
Pois que fosse. Que fosse pra sempre.
Os dois se mereciam. Cambada ordinária.