segunda-feira, 5 de novembro de 2012

TERROR NA ALCOVA


Ele entrou de repente no meu quarto usando uma máscara branca e segurando um facão enorme na mão direita.
Entrou com tudo e disse algo parecido com:
 – Eu sou o Jason!
Surpreso, larguei sobre a cama o romancinho do vestibular que eu insistia em ler – entre um cochilo e outro.
– Jason? Que Jason? O que faz aqui? Quem é você?
Ele grunhiu:    
– Sou o assassino da Sexta-Feira 13!
– Humm... E você veio aqui pra me matar, certo?
Ele grunhiu de novo e ergueu o facão ameaçadoramente, a modo que ia partir minha cabeça no meio.
Mas ficou só no gesto. E grunhiu outra vez.
Eu falei:
– Guarda esse facão, Jason. Alguém pode se ferir!
Aí sorri:
– Quer se deitar um pouquinho aqui comigo?
Ouvi só grunhidos em resposta.
– O gato comeu sua linguinha, foi?
Grunhidos, vários grunhidos...
– Vamos, Jason, decida: quer deitar ou não quer?
Ele finalmente baixou o facão.
– Quero...
– Tá bem. Venha.
Ele se aproximou.
– Espere, Jason! É melhor você tomar um banho antes. E, claro, se livrar dessa sua roupa aí...
(Se é que eu podia chamar de “roupa” aqueles molambos fedorentos que ele estava usando, né?)
Jason grunhiu, mas permaneceu imóvel.
– O banheiro é aí atrás de você. Quando terminar, eu te arranjo o que vestir. Agora, pro banho, baby!
Ele entrou no banheiro batendo a porta com estrondo.
Logo escutei o chuáááá da água caindo.
Minha tia enfiou a cara na porta do quarto:
– O que foi isso?
– O quê, Tia?
– Ouvi um barulho aqui.
– Barulho?
– Sim, um barulhão dos demônios. Escutei lá do meu quarto!
– Fui eu, Tia. Bati a porta do banheiro sem querer...
Estranhei um detalhe: no banheiro agora reinava um silêncio de túmulo. Ainda bem, senão minha Tia podia ter desconfiado de alguma coisa.
– Volte a dormir, Tia. Tá tudo bem.
– Boa noite, meu filho.
– Boa noite, Tia.
Quando ela fechou a porta, eu corri lá e passei a chave. Foi a primeira vez na vida que fiz isso. Antes, a porta do meu quarto ficava sempre aberta. Por isso mesmo que aquele monstro estava ali dentro, agora.
Voltei pra cama e peguei o livro interrompido. Tentei me concentrar, mas não houve jeito.
O chuáááá do chuveiro havia recomeçado.
O trinco da porta do quarto girou.
– O que foi, Tia? Fechei a porta... Tô no banho.
– Nada, meu filho. Só queria te lembrar que amanhã cedo você tem que me levar pro hospital, pros exames.
– Amanhã é sábado, Tia. Os exames são só na segunda.
– É verdade. Segunda, dia 16... Que cabeça a minha!
Ela tossiu e saiu arrastando os chinelos pelo corredor.
Silêncio sepulcral no banheiro.
Chamei:
– Jason!
Nada.
Chamei de novo. E de novo.
Que diabos ele estava fazendo? Se masturbando? Cagando?
Ouvi o som da descarga, e Jason apareceu...
Levemente molhado.
Mas completamente nu – exceto pela máscara branca.
Me levantei e peguei no armário uma camisa e uma bermuda. Entreguei a ele.
A roupa ficou muito justa, tive que me controlar pra não rir.
Falei:
– Agora você pode vir se deitar, Jason!
Ele grunhiu, olhando pras próprias mãos:
– Cadê o meu facão?
– Você entrou com ele no banheiro, lembra?
Tive a ligeira impressão de que ele sorriu sob a máscara, mas acho que foi só impressão mesmo.
Chamei:
– Vem, deita logo aqui comigo!
Ele respondeu:
– Não sem o meu facão!
– Pois vai buscar ele, ora!
E baixinho, completei:
– Idiota...
Jason deu um giro rápido, e entrou no banheiro.
Voltou vestido com os trapos dele e o facão na mão.
Grunhiu:
– Eu vou te matar!
Aquilo me doeu.
– Matar, é? É assim que você me agradece a gentileza de te receber? É assim, é?
Ele elevou o facão.
Comecei a chorar. Afoguei minha cara no travesseiro e fiquei soluçando feito um garotinho a quem roubaram a vovó, o desenho preferido – e também o pirulito.
Me arrepiei todo ao sentir o peso da mão na minha nuca...
Jason havia sentado na beira da cama, e me olhava de pertinho:
– Não chore, por favor, não chore!
Limpei as lágrimas e, instintivamente, toquei o braço dele.
Jason se levantou, num pulo. Parecia até que tinha levado um choque.
– Quê que foi, Jason?
Dessa vez ele não grunhiu – sua voz era límpida como água na fonte:
– Sujei a cama toda!
De fato, havia uma imensa mancha preta e gosmenta onde ele tinha sentado...
Detesto sujeira, mas relevei:
– É só trocar de lençol, meu querido!
E, já morrendo de tesão, resolvi apelar:
– Vem, meu docinho de coco!
Jason passou a mão na máscara. Pensei que fosse tirar ela, mas ele fez um gesto vago com a mão e começou a gaguejar:
– A-inda há pou-co vo-cê me cha-mou de i-diota... O que é i-diota?
Fiquei com a cara no chão:
– Bobagem, Jason... Falei só de brincadeira...
Ele empinou o facão:
– Res-ponde! O que é i-diota?
Aturdido, peguei o meu santo paizinho-dos-burros na mesa de cabeceira, abri no “i” e li a definição da palavra:
Adjetivo. Que ou quem não tem inteligência ou bom senso; tolo; estúpido...
Jason, furioso, me arrancou o dicionário e jogou ele contra a parede.
E veio pra cima de mim – literalmente.
O peso dele, mais o fedor das suas roupas, estavam me sufocando.
Ele tentou me beijar na boca. Senti o contato frio da máscara.
– Sai de cima de mim, Jason!
Ele me encarou:
– Não quer mais?
– Não!
– Por quê?
– Por que não, Jason!
– Mas...
Empurrei ele pro lado, e foi a minha vez de grunhir:
– Idiota! Vai me matar logo com esse facãozão aí, ou vamos ficar a noite toda nesse trololó?
Jason ficou de pé. Seu corpo todo tremia.
Pôs uma mão na cabeça.
Andou pra lá, pra cá, pra lá, pra cá.
Depois parou na minha frente e, com força, começou a coçar suas “bolas”; parecia mesmo que ia arrancar as coitadas!
Coçou até não poder mais, e então deixou cair... a máscara.
Eu pude ver o rosto dele – desfigurado, triste e faminto.
Também vi o facão se levantar, e, em transe, gritei o mais alto que pude!...

...

Bom... A lâmina teria brilhado diante dos meus olhos, se não estivesse tão enferrujada.