terça-feira, 17 de julho de 2012

ANTES DA MEIA-NOITE


“À meia-noite em ponto, os espíritos dos mortos se levantam de suas sepulturas e vão espalhar o medo e o terror sobre o mundo dos pobres vivos... Eu vou contar, agora, uma história terrível para vocês; uma história de assombração acontecida há muito, muitíssimo tempo... Então, estão preparados para fazer xixi nas calças de tanto medo? Olhem lá, hem! Quem não conseguir dormir hoje à noite, não será por minha culpa! Eu já avisei que é uma história apavorante, sem dúvida uma das mais brabas que já contei para alguém... Estão preparados?”

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Não, ninguém chegou a fazer xixi nas calças. Ou, pelo menos, ninguém admitiu isso – e quem seria louco de admitir uma coisa dessas?!... Mas a história da minha Tia era realmente de arrepiar! Ouvimos tudo em silêncio, o coração tuc-tuc, tuc-tuc, tuc-tuc... Eu mesmo – estou certo disso! – fui um dos que não conseguiram dormir naquela noite. A toda hora eu acordava sonhando com elementos da história – fosse o fantasma do enforcado, a menina de cara pálida que gostava da lua cheia, as galinhas azuis falantes, ou os gritos histéricos das mulheres ao ouvirem passos em cima do telhado...

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Agora, sou eu quem conta histórias para os outros... Sou escritor – e sei que devo isso à Tia Bilu, a melhor contadora de histórias que já conheci! Seu repertório parecia que nunca ia ter fim – e olha que eram três ou quatro histórias toda noite! Uma vez perguntei onde ela aprendera tantas histórias, e ela disse (gesticulando mais que o normal) que as ouvira de sua avó, que, por sua vez, as tinha ouvido de sua própria avó – e assim por diante... Não sei, não, mas, para mim, ela inventava todas aquelas peripécias... Só sei que, quando a noite caía, lá estávamos nós, meninos e meninas – e até adultos da vizinhança! –, fazendo festa ao seu redor; e então ela desfiava um rosário de histórias de todos os tipos possíveis e impossíveis: casais apaixonados, monstros alados, malandros espertalhões, almas penadas...  As minhas preferidas sempre foram mesmo as de terror – como aquela que não me deixou dormir direito... Engraçado: eu morria de medo, mas gostava disso! Não consigo explicar direito essa sensação que até hoje me acompanha, seja escrevendo uma história assombrada ou vendo filmes de terror na calada da noite... Acho que lá no fundo me agrada sentir aquele friozinho na espinha, será isso?!?

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Tia Bilu morreu aos 92 anos. Morreu que nem um passarinho, como já disse alguém que, no momento, não lembro quem. Pois esta noite faz exatos 13 anos que ela se foi...  Coincidentemente, estou escrevendo meu décimo terceiro livro – que será, por motivos óbvios, dedicado a ela. O livro chama-se “Histórias Maravilhosas da Tia Bilu”, e é um apanhado das principais histórias contadas por minha querida Tia – histórias que, apesar do tempo (eu era apenas um garotinho quando as ouvi!), jamais esqueci ou vou esquecer... Agora, quero compartilhá-las com meus leitores, e espero que eles gostem tanto de lê-las quanto eu gostei de ouvi-las...

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Hoje – graças a Deus e à minha Tia – sou um autor de sucesso. São 12 obras publicadas (Tia não leu nenhuma, ela não sabia ler, mas admirava as capas e sentia orgulho de ter um sobrinho-filho escritor), e milhares de leitores fiéis em todo o país que expressam seu carinho através de e-mails, cartas, telefonemas... Ontem mesmo, recebi um e-mail de uma garota perguntando quando sairá meu novo romance. “Afinal de contas,” – suspirava ela – “já tem dois anos que o Sr. não publica uma linhazinha sequer!” Respondi o e-mail, evidentemente: “Até o fim do ano, Diandra. Quem sabe no Natal... Pode esperar!”

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Mas meu editor está deveras apreensivo acerca deste meu novo livro. Ele acha que, para quem publicou 12 títulos bem-sucedidos no segmento “suspense e terror”, será correr um risco desnecessário lançar uma obra tão divergente... “Imagine só”, disse ele, “o choque que será para o seu leitor – acostumado a ler ‘A Casa Sombria’, ‘Pacto Mortal’, ‘Terror e Êxtase’... – de repente se deparar com ‘Histórias Maravilhosas da Tia Bilu’! Cara, você não percebe o perigo, não, Fontana?!” “Aderbal, meu amigo, eu preciso correr este risco!”, respondi sorrindo...

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“Tia Bilu, onde você estiver, este novo livro será para você... Para você e para mim! Se meus leitores não gostarem, fazer o quê, né? Depois escrevo outro para eles... Ando mesmo com umas ideias para um novo romance, que, a princípio, se chamará ‘Calafrios à Meia-Noite’. Acho que esta história promete, de verdade!... Mas isso, Tia, é intento para daqui a alguns meses, talvez alguns anos; sei que ainda tenho bastante tempo pela frente, sou apenas um homem a meio caminho da maturidade... Por enquanto, estou vivendo as nossas histórias maravilhosas, revivendo as noites felizes da minha infância ao seu lado... E tudo isso, Tia, pode acreditar – está me fazendo um bem danado!...”


O MISTÉRIO DA PORTA


         O cartaz, na verdade, é simplesmente uma folha de papel ofício deitada e manuscrita com letras maiúsculas e desenxabidas:

           
PRECISA-SE DE UM CONTO.
É URGENTE!
PAGA-SE O QUE FOR DE DIREITO...

Surpresa. Aguçamento.
Duas da tarde. O sol tinindo. A rua deserta... Devo ir embora?
Mas estou faminto e cadê tostão... Toco a campainha. Três vezes.
O sujeito que atende (terno preto e óculos escuros) é a cara do Tommy Lee Jones; já o bigodinho é da Adriana Calcanhotto – se ela tivesse bigode.
“Vim pelo anúncio...”
“Ah! Pensei que fosse pela Rainha da Inglaterra... Venha comigo!”
Pasmo, já entro num elevador.
O bicho, veloz, não sei se sobe ou se desce.
Aí, de repente, para com um sacolejão!
Susto baita... Vixe!
O estranho não disfarça um risinho de deboche:
“Calma, isso é normal. Me acompanhe!”
Agora, uma sala vazia. Um breve corredor. Outra sala, esta toda mobiliada. Outro corredor, este longo e sem qualquer saída lateral.
Ao final do corredor, uma porta – creio que de nuvem...
O homem tira seus óculos escuros; me encara:
“Entre aí. Seja cuidadoso! Eu sou Filho da Arte. Exijo autenticidade. O lado mais verdadeiro de cada um. Boa sorte!”
Ele torna a pôr os óculos, escarra na parede e pega o caminho de volta.
Eu respiro fundo e mergulho no mistério daquela porta... E me vejo numa espécie de galpão – enorme, fechado, iluminadíssimo. Ali, cerca de 90 homens. Nenhum percebe minha chegada?
Um “alegre” se aproxima balangando:
“Olá, meu nome é Pétter Deyvis. E o seu é...?”
Digo um nome falso, não sei por quê:
“Félix da Silva.”
“Olha, Félix, naquele baú – tá vendo? – tem papel e caneta. E não esqueça: meu nome é Pétter... Bye!
Só nesse momento me dou conta de que os homens estão todos escrevendo – uns em pé, outros sentados em girassóis de Van Gogh, outros acocorados; há uns poucos no telhado, pendurados como morcegos...
Pego folha e caneta no baú.
Uma confortável poltrona-do-papai se materializa bem na minha frente!
Ora, tomo assento...
Daí a pouco, adentra um frangote de uns 14, 15 anos. Boné ao contrário e tênis horrorosos. Claro. Sua presença é ignorada.
Vou até ele:
“Ei, naquele baú tem papel e caneta!”
“O quê?”
“Papel e caneta, seu burro! Naquele baú!”
“...”
Volto para o meu canto. Para o me conto.
A caneta veleja. As palavras não se negam. Escrevo com grande excitação!
Penso:
“Sou o contista MÁXIMO do Brasil, talvez até do mundo inteiro!”

... MAS, QUE VOZERIO DESGRAÇADO É ESSE NA MINHA CABEÇA PROCLAMANDO QUE AQUELE DALTON DE CURITIBA É IMBATÍVEL, Ó DEUS???...



OS GATOS

Sempre detestei os gatos. Desde pequeno os detestei. O motivo é um só: o barulho infernal que eles fazem em cima do telhado. Diacho, por que não transam em silêncio? Pra que aquele escarcéu todo, como se quisessem que todo o mundo soubesse o que estão fazendo? Pivete, eu pensava comigo: algum dia, quando eu fizer sexo com uma mulher, se ela vier gritando feito uma gata no cio, eu me levanto, vou embora e nunca mais quero nada com ela! Era assim mesmo que eu pensava. Eu tinha doze anos de idade. O tempo passou. Agora eu já tinha quinze. Mas ainda não tinha mudado de opinião. Então aconteceu. Uma noite, fui pro mato com Sandrinha, irmã de um amigo meu. Eu nunca tinha sequer beijado alguém. Tudo o que eu sabia de sexo vinha das aulas de ciências (um quase nada!) e das revistinhas sujas que tomava emprestado da molecada da vizinhança. Quando Sandrinha tirou a roupa, eu comecei a suar frio. Bateu aquele desespero, e eu pensei em fugir dali pra bem longe. Mas aí ponderei: e se a diaba resolver contar pras colegas? Com certeza vão dizer que eu sou um frouxo... Por causa disso, tive de aguentar. Tirei a camisa, a calça e me deitei sobre a minha parceira. Comecei beijando sua boca, e ela parece que gostou, pois me abraçou forte e começou a gemer e suspirar... Com certa dificuldade, penetrei Sandrinha como tinha visto nas revistas. Ou como tinha visto a bicharada fazendo no quintal... A danada começou a gemer mais forte... e, de repente, começou a gritar que nem uma gata! Eu não quis nem saber. Me levantei, vesti minhas roupas e fui embora sem nem ao menos olhar pra trás. Sandrinha ficou sozinha no escuro, decerto sem entender patavinas da minha atitude. Meses depois, em compensação, transei pra valer. Não com Sandrinha, claro. Com outra. Foi um sexo silencioso, sem pressa, do jeito que eu sempre sonhara... Lembro direitinho daquela transa, mesmo agora que já não sou mais nenhum jovenzinho... Ops! Vou encerrar este conto. Sei que não conseguirei escrever nem mais uma linha esta noite. São duas da manhã – e começo a ouvir passos leves no telhado... São eles, os gatos! Daqui a pouco a esculhambação começa; um verdadeiro inferno...