quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A AMEAÇA (reescrito)


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O homem tinha mais ou menos a minha idade, e sentou-se do meu lado:
“Minha mulher me deixou!”, disse ele me encarando.
“E daí?”, pensei em responder; mas me contive e esperei...
Nervosamente, ele enfiou a mão no bolso do paletó, tirou a carteira, abriu e mostrou-me a foto de uma loira estonteante.
“Você acha ela bonita?”
“É muito bonita, sim.”
“Casaria com ela?”
Eu sorri encabulado.
Ele guardou a carteira. Suspirou:
“Você ia se arrepender amargamente!”
Estávamos sentados num dos bancos da pracinha arborizada do Largo, que, como sempre, regurgitava; pessoas iam e vinham – formiguinhas loucas e estressadas.
Eu olhei para as altas janelas de um prédio.
Aí vi uma gigantesca nuvem branca que tomava conta do céu azul.
“Não é estranho?”, perguntei ao desconhecido.
Ele também tinha reparado na nuvem, mas se fez de desentendido:
“O quê? Minha mulher ter me deixado? Também acho!”
“Estou falando da nuvem!”, ironizei.
Ficamos em silêncio.
Pensei em me levantar e deixar o chato sozinho.
Mas me peguei dizendo:
“Conta aí, por que tua mulher te deixou?”
Ele limpou o suor do rosto na manga do paletó.     Endireitou-se no banco:
“Porque eu era o marido perfeito. Por isso!”
“Ela também podia se achar a esposa perfeita, não acha?”
         “Como assim?”
         “Estou querendo dizer que talvez ela não te achasse tão perfeito assim.”
         Ele ficou um instante pensativo. Depois sorriu com convicção:
         “Ela achava, claro que achava!”
         E apontou o céu:
         “Está vendo aquela nuvem?”
Dessa vez fui eu que não entendi:
“O quê que tem a nuvem?”
“Ela se parece com minha esposa!”
Deixei que ele próprio se explicasse.
Passou um minuto. Dois. Dez. O horário do almoço estava acabando. Eu tinha que voltar para o trabalho.
“Preciso ir”, eu falei.
O estranho não respondeu. Seus olhos tinham grudado na nuvem e estavam marejando.
Levantei-me e, sem olhar uma única vez para trás, fui seguindo entre a multidão...
De repente, era como se eu não tivesse para onde ir!
Meus passos, incertos, me levaram a um barzinho. Pedi uma cerveja.
“Está vendo aquela nuvem, camarada?”, perguntei ao homenzinho perto de mim.
Ele olhou para o céu, franzindo as sobrancelhas. Tomou um golão e disse:
“Tomara que ela não caia em cima das nossas cabeças!”
Meu Deus...! Realmente, a nuvem parecia um pouco mais baixa...
Terminei minha cerveja e fui direto para casa.
À noite, peguei minha mulher e as crianças e voltei correndo para a casa (tão longínqua!) dos meus avós. Chorando feito um menino, abracei os velhinhos, os beijei e cantei para eles...
Agora durmo sossegado: já posso esperar pelo Juízo Final!...


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