domingo, 11 de setembro de 2011

OS CARNÍVOROS (texto revisto)

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Mapa de carne por Miquel Barceló. 
deseoaprender.com


Naquela noite, João apareceu com carne para o jantar.
Maria assou a carne, serviu o arroz com feijão e eles comeram em silêncio.
Dali em diante, com certa regularidade, João passou a trazer aquela carne que eles deglutiam sem medo ou prazer.
Uma vez, dentro do pacote, havia um pé e duas mãos – com unha e tudo.
Maria olhou aquilo e perguntou para o marido:
“É bom?”
Mas João já havia entrado no banho...
Enquanto aprontava o quitute, Maria derramou uma lágrima na frigideira – ou será que foi um pingo de suor?
Pois bem, estavam comendo quando bateram à porta.
Era o primo lá do outro lado da cidade, que estava passando por ali a negócios e resolvera fazer uma visitinha.
Instado a jantar, ele acabou aceitando...
No prato, sobre o macarrão e a salada, Maria colocou dois dedos: o polegar de uma das mãos trazidas pelo marido e o dedo mínimo do seu próprio pezinho.
O primo comeu tudo, lambeu os beiços e falou:
“Olha, prima, estava uma delícia!”
Maria sorriu agradecida – ela sempre tivera uma quedinha por aquele parente do marido...
Daí a dez minutos, o primo se despediu do casal e foi embora.
João acendeu um cigarro e plantou-se diante da TV.
Maria também.
Assistiram a uma reportagem sobre a vida selvagem na África: elefantes, hienas, leões copulando...
Mais tarde, na cama – depois de um sexo minguado –, Maria suspirou sonhadora:
“João, lembrei agora do cheiro das flores do meu buquê de casamento...”
Uma sirene chorou ao longe, e eles dormiram logo em seguida.
João, então, sonhou com os peitos da nova vizinha.
Maria, por sua vez, teve uma noite sem sonhos.
Mas de manhã acordou com uma sede danada – e passou o resto do dia pensando no braço fortão daquele primo lá do outro lado da cidade...
Às seis, como de costume, João chegou do serviço.
Vinha taciturno, pacote debaixo do braço...
Dentro do pacote, apenas frugalidades: leite, salsicha e farinha de fubá.
           






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