sábado, 27 de agosto de 2011

ONDE MORAM AS BORBOLETAS

Como se fosse uma borboleta, um dia ela abriu as asas e voou.
Não me abraçou, não me beijou, não me disse adeus.
Simplesmente abriu as asas e se foi...
É claro que eu fiquei na maior tristeza.
Como ela podia ter feito isso comigo?
Então era tudo mentira o que ela me dizia, com aquele sorrisão que eu achava o mais lindo mundo?
Era tudo fingimento?
Então ela não gostava de mim?

...

Um mês depois, ansioso, atendo o telefone.
Com uma voz esquisita, ela diz várias coisas que eu não consigo entender direito...
Eu choro. Choramos juntos.
Até que cai a ligação...
Papai vem chegando da padaria.
– Era a tua mãe? – ele pergunta, bastante sério.
Não posso responder, um boi enorme tapa minha garganta...
Papai me abraça e diz para eu me acalmar, que tudo vai ficar bem.

...

Durante muito, muito tempo, fiquei me perguntando onde moram as borboletas...
Agora não me preocupo mais com isso.
Cresci, e uma das coisas legais que aprendi é que cada um é livre para voar para onde quiser...
Só que, também, ninguém é obrigado a amar ninguém para sempre!
Isso, além de uma verdade, é um consolo.

sábado, 13 de agosto de 2011

O PECADO DE NOÉ

De repente, espalham na TV que o novo fim do mundo está marcado para as 5h02min da manhã seguinte. Pontualmente. E isso é tudo o que Noé e os outros sabem...
Que horas seriam agora? Oito, oito e quinze?
Noé não se desespera. “Pelo menos, ainda tenho a noite inteira pela frente!”, exclama de si para si.
E aí se veste, se perfuma e fala para a mãe que vai dar uma volta.
A velha choraminga:
“Vou ficar aqui sozinha, meu filho?”
“Volto cedo, mãe”, responde Noé, saindo sem olhar para trás...
Não olha mesmo – e certamente não é por medo de virar estátua de sal, nem de açúcar, nem de coisa nenhuma.

...

E é olhando sempre em frente que ele entra no barzinho amarelo da esquina, ali perto:
“Bota uma bem gelada aí, Vandercildo!”
O dono do bar serve a bebida, dramatizando:
“Noé, te dou todas as cervejas do meu freezer se você me deixar entrar na sua arca!”
Animadíssimo com a proposta, Noé entorna dois copos cheios, um atrás do outro...
O amigo sorri, “Não vai se afogar, hem, Noé!”, e então corre para atender outro cliente.
Noé torna a encher o copo... E, pela oitocentésima vez, se pergunta por que a mãe botou nele aquele nome antiquado.
“Acho um nome bonito, só isso!”, era o que ela dizia.
Mas Noé não acreditava nela. Para ele, ali tinha coisa. Infelizmente, agora era tarde demais para descobrir a verdade...

...

Lá pela quinta cerveja (ou seria a sétima?), Rafaela aparece. Linda e decotada, só de birra a vizinha teimava em resistir às investidas de Noé.
“Oi, Noé. Tomando o seu último gole?”
“Oi, gostosa. Bebe uma comigo?”
“Até duas, meu amor!”
E, sem um tiquinho assim de cerimônia, ela vai logo se sentando no colo dele.
“Eita fim do mundo porreta!”, pensa Noé, mordendo a língua.

...

 “Ai, Noé... Tem certeza de que sua mãe não vai ouvir nada?”
“Ela tá ferrada no sono, docinho. Relaxa...”
Mas, nem bem eles começam a transar...
“Noé!”
Rafaela se esconde atrás da cama, Noé mete o olho na fresta:
“Quê que foi, mãe?”
“Ouvi um barulho, meu filho...”
“Não é nada, mãe. Volte a dormir.”
A velha, contrariada, sai arrastando os chinelos.
Noé não perde tempo: lacra a porta e sobe de vez na crista do grande dilúvio...

...

Quando o sexo acaba, o dia já vem clareando. Rafaela olha ao redor e não se contém:
“Iuhuuu, eu tô na arca! Viva! Viva!”
Noé quer vibrar também, mas vomita horrores em cima da futura mãe do seu filho e em seguida cai num sono de pedra.
Furiosa, Rafaela se lava no banheiro e sai do quarto de mansinho.
Então dá de cara com a mãe de Noé sentada no sofá da sala.
A pecadora, coitada!, não tem nem como não tremer na base diante do olhar de cão “daquele” Deus enfurecido...





DILUVIANO



O teu olhar me arrasta
Que nem, de Noé, a arca.
Fico à deriva em ti...
Meu cais, seguro porto!

Segundo após segundo,
A tristeza é afogada...
E, ao final, renasço
Outro ser - purificado.

Deposito em tuas mãos
Um raminho colorido:
Sinal do meu amor...
Razão da minha vida!