domingo, 19 de junho de 2011

O SAPATO


(HISTORINHA SENSACIONAL, LIDA NO BLOG "UM POUCO DE MIM",  DE ELAINE GASPARETO.)
http://www.elainegaspareto.com/2010/09/melhor-dica-para-seu-blog-e-mais-1.html

Um dia, ao entrar em um ônibus, um senhor já idoso prendeu o pé direito no degrau e seu sapato foi arrancado do pé. Imediatamente a porta se fechou e o ônibus começou a sair. Ele, sem ter como recuperar o pé de sapato perdido, imediatamente arrancou o outro pé de sapato e tranquilamente o arremessou pela janela do ônibus.
Um rapaz, vendo a cena, perguntou: “Por que o senhor fez isso? Ficou com raiva, né?”. Então o senhor olhou mansamente para o rapaz e disse:
“Não, não fiquei com raiva. Atirei o outro sapato porque a mim ele não serviria para mais nada, mas caso alguém encontrasse o pé de sapato que eu perdi certamente iria procurar pelo outro. E se fosse alguém que estivesse precisando ficaria triste por ter achado só um pé. Mas agora o par poderá servir para alguém…”

sábado, 18 de junho de 2011

AO PÉ DA ORELHA


(Texto para a orelha do meu primeiro livro de contos!)

A porta estava bem ali na frente, à minha espera. Encarar ou desistir? Deu aquele friozinho na barriga, mas entrei. E vi cada coisa! Agora, vou contar tudinho aqui para vocês...
Conto mesmo: são trinta e três visões, e é com grande satisfação que ora as reúno neste meu livro inaugural. Nenhum conto aqui é inédito. A maioria já saiu em coletâneas, e todos estão na internet – seja em meus blogs pessoais ou em sites colaborativos de literatura. Mas, cá para nós: neste momento, estes trinta e três rebentos me parecem novinhos em folha, recém-saídos da gaveta... Vejo-os alegres e saltitantes que nem criança na casa da avó, que nem pipa faceira no céu, que nem cachorrinho solto na areia da praia... É tudo tão espantoso, tão deliciosamente diferente! É como se, somente agora, eles tivessem atingido a maioridade e se dispusessem a conhecer o mundo de verdade, lá fora...
Está bem, meus filhos. Podem ir aonde quiserem. Vão com a minha bênção. Como pai zeloso, ficarei sempre vigiando. Vigiando e vivendo. Aprendendo. Criando...

sexta-feira, 17 de junho de 2011

O PRÊMIO


Noite dessas, zanzando pela net afora (ou adentro, como queira!), deparei com a informação de um concurso de crônicas. A promovente era uma editora carioca, que pedia textos de 140 caracteres a 1.000 palavras versando sobre a amizade. Agora, pasmem os senhores: o prêmio seria um livro reunindo ninguém menos que Luis Fernando Verissimo, Zuenir Ventura e Arthur Dapieve! Fechei os olhos e comecei a sonhar com o tal livro, para, ao abri-los novamente, perceber que o prazo de inscrição vencera um mês antes. “Droga!”, gritei quase acordando a minha vizinha. Ou acordando mesmo, sei lá – ora, a Dona Candinha que fosse se danar! De raiva, desliguei o computador e fui dormir. Então sonhei que nós quatro nos encontrávamos numa sala: Verissimo, Zuenir, Dapieve e eu, naturalmente. Na mesa em torno da qual nos reuníamos, havia um exemplar de Conversas Sobre Tempo, obra que seria ofertada ao vencedor do concurso – que, nesse caso, era eu... Estávamos em silêncio. Ninguém olhava para ninguém. Todos tínhamos os olhos fixos no livro. De repente, os três se precipitaram sobre ele. O Dapieve foi mais rápido e agarrou o ditocujo. E ainda ficou rindo da cara abestalhada dos outros. “Isso não teve graça nenhuma!”, disse o Verissimo com azedume. “Graça nenhuma!”, repetiu o Zuenir, igualmente azedo. E, olhando para mim, perguntou: “Você acha que teve?” Nervosíssimo, gaguejei algo ininteligível e o trio caiu na gargalhada. Não tive remédio senão rir também. Rimos dois dias seguidos, até que o Dapieve me perguntou: “Qual o seu nome?” Já completamente à vontade, respondi: “Milos. Milos de Solim.” Ele autografou o livro e o entregou ao Verissimo. Este me olhou bonacheirão e assinou também. De posse do livro, o Zuenir falou: “O que você vai fazer com este livro, Milos?” “Vou lê-lo do começo ao fim!”, falei tentando ser engraçado; mas os três ficaram muito sérios e eu não soube onde enfiar a cara. O Zuenir rubricou o livro e, com o bicho nas mãos, levantou-se. O Verissimo e o Dapieve o acompanharam. Eu não sabia se levantava ou se permanecia sentado. “Levante-se, Milos!”, disse uma voz atrás de mim. Eu me voltei e não vi ninguém. Quando tornei a olhar para a frente, os escritores haviam sumido! E, com eles, ai!, e com eles o meu livro-livrinho-livrão... Nessa hora acordei. Havia um cheirinho gostoso de café no ar. Café de Dona Candinha! Ainda estava escuro, mas – como sempre – a velha cantarolava e fazia aquela barulheira infernal com as panelas... Eu sorri satisfeito. E me levantei com uma disposição dos demônios!


domingo, 12 de junho de 2011

LOS DIABITOS


Quero beijar sua boca, disse ele. Por que, disse ela. Porque ela é vermelha, disse ele. Mas você é meu irmão, disse ela. E daí, disse ele. É pecado, disse ela. Quem te falou, disse ele. Todo mundo, disse ela. Eu não ligo, disse ele. Tenho medo de ir pro inferno, disse ela. O inferno é caô, disse ele. Sei lá, disse ela. Ele não existe não, disse ele. Você é um bobo, disse ela. E você tem a boca bonita, disse ele. Bobão, disse ela. Sou mesmo, disse ele. Vai chover, disse ela. Vai, disse ele. E mamãe que não chega, disse ela. Pois é, disse ele. Se ela pegar a gente, disse ela. Bobagem, disse ele. Ela vai brigar, disse ela. Mamãe briga por qualquer coisa, disse ele. Verdade, disse ela. Me abraça, disse ele. Não, disse ela. Só mais uma vez, disse ele. Tá bem, disse ela. Agora me beija, disse ele. Dou um selinho, disse ela. Quero língua, disse ele. Selinho, disse ela. Língua, disse ele. Vou me levantar, disse ela. Eu não vou deixar, disse ele. Me solta, disse ela. Não, disse ele. Por favor, disse ela. Então me beija, disse ele. Só um pouquinho, disse ela. Meu amor, disse ele. Seu chato, disse ela...
 – Saiam já da minha cama, disse ela!

terça-feira, 7 de junho de 2011

OS GATOS


Sempre detestei os gatos. Desde pequeno os detestei. O motivo é um só: o barulho infernal que eles fazem em cima do telhado. Diacho, por que não transam em silêncio? Pra que aquele escarcéu todo, como se quisessem que todo o mundo soubesse o que estão fazendo? Pivete, eu pensava comigo: algum dia, quando eu fizer sexo com uma mulher, se ela vier gritando feito uma gata no cio, eu me levanto, vou embora e nunca mais quero nada com ela! Era assim mesmo que eu pensava. Eu tinha doze anos de idade. O tempo passou. Agora eu já tinha quinze. Mas ainda não tinha mudado de opinião. Então aconteceu. Uma noite, fui pro mato com Sandrinha, irmã de um amigo meu. Eu nunca tinha sequer beijado alguém. Tudo que eu sabia de sexo vinha das aulas de ciência (um quase nada!) e das revistinhas sujas que tomava emprestado da molecada da vizinhança. Quando Sandrinha tirou a roupa, eu comecei a suar frio. Bateu aquele desespero, e eu pensei em fugir dali pra bem longe. Mas aí ponderei: e se a diaba resolver contar pras colegas? Com certeza vão dizer que eu sou um frouxo... Por causa disso, tive de aguentar. Tirei a camisa, a calça e me deitei sobre a minha parceira. Comecei beijando sua boca, e ela parece que gostou, pois me abraçou forte e começou a gemer e supirar... Com certa dificuldade, penetrei Sandrinha como tinha visto nas revistas. Ou como tinha visto a bicharada fazendo no quintal... A danada começou a gemer mais forte... e de repente começou a gritar que nem uma gata! Eu não quis nem saber. Me levantei, vesti minhas roupas e fui embora sem nem ao menos olhar pra trás. Sandrinha ficou sozinha no escuro, decerto sem entender patavinas da minha atitude. Meses depois, em compensação, transei pra valer. Não com Sandrinha, claro. Com outra. Foi um sexo silencioso, sem pressa, do jeito que eu sempre sonhara... Lembro direitinho daquela transa, mesmo agora que já não sou mais nenhum jovenzinho... Ops! Vou encerrar este continho. Sei que não conseguirei escrever nem mais uma linha esta noite. São duas da manhã – e começo a ouvir passos leves no telhado... São eles, os gatos! Daqui a pouco a esculhambação começa. Um verdadeiro inferno...

A DONA DO TEMPO


Não é que ela fosse uma Rainha má. Não era. O problema dela era outro – a vaidade excessiva. Envelhecer era o seu pior pesadelo.
No dia em que, diante do espelho, ela encontrou um fio de cabelo branco, ficou desesperada. Arrancou fora o intruso e ordenou aos cavaleiros do palácio que vasculhassem todo o reino e destruíssem cada relógio que encontrassem.
A Rainha acreditava que, acabando com os relógios, o tempo pararia de passar.
Assim foi feito: não restou pedra, ou melhor, relógio sobre pedra...
E Sua Majestade pôde então dormir sossegada.
Semanas depois, no entanto, a Rainha tornou a achar outro fio de cabelo branco. Chamou novamente os cavaleiros do palácio e esbravejou com eles. “Deve ter sobrado algum desgraçado por aí!”, disse ela. “Saiam e só voltem aqui quando encontrarem esse maldito relógio!”
E lá se foram novamente os pobres cavaleiros.
Procuraram dias e dias, até que descobriram um reloginho escondido no baú de uma velha camponesa que morava sozinha a muitas léguas da cidade.
“Por favor, não levem o bichinho embora, não!”, choramingou ela. “Foi presente do meu Joaquim, que Deus o tenha...”
Não houve jeito. O relógio foi levado ao palácio e aniquilado sem a menor compaixão.
         E a Rainha, mais uma vez, pôde dormir sossegada...

segunda-feira, 6 de junho de 2011

PAUSA

Hoje não quero escrever. Quer dizer: escrever eu quero, mas nada parecido com isto que há tempos venho escrevendo... Necessito de uma pausa. Chega de encher meus leitores com histórias bizarras, pequenas histórias onde invariavelmente algum personagem sai ferido, ou senão morto. Preciso respirar ares mais amenos. Pensar coisas mais brandas. Exercitar a minha capacidade de amar, sonhar, acreditar no mundo, nas pessoas...
Esta noite eu quero esquecer... Quero beber um bom copo de vinho, quem sabe três, e apreciar a lua, e sentir a brisa noturna afagando meus cabelos, meus ombros, minhas mãos... Quero voltar a ser aquele menino do interior, cujo mundinho era maior do que tudo, tudo!, exceto do que seu próprio coração. E quero sorrir, e não me importar com este grilo insistente que teima em me desconcentrar, e não pensar nas contas, no banho que preciso tomar, não pensar em nada, absolutamente nada. Só ficar de olhos bem fechados no escuro. E brincar comigo mesmo, e ser qualquer coisa, outra coisa, e saber que sou, e que estou feliz!

domingo, 5 de junho de 2011

SUPERNOVIDADE

Concurso de Poesia

Amigos(as):

A partir de agora você, seu vizinho, colega, amante, periquito, sogra, etc, pode ter seu poema publicado aqui no site do Ulisses Tavares. Leitura garantida! 

Mas, calma, que existem algumas regrinhas:

1. Você só deve enviar uma poesia por vez/mês, portanto, capriche, seleciona o seu melhor;
2. O critério de escolha é extremamente pessoal e discutível: Ulisses Tavares e Nathália Lippi decidirão qual entra, quais ficam fora;
3. Todo mês será selecionada apenas uma poesia, não tem vice-campeão ou honra ao mérito;
4. O(a) ganhador(a) do mês terá poesia, foto e mini-biografia no site;
5. Não precisa usar pseudônimo: Ulisses conhece enes poetas mas nunca protegeu ninguém;
6. Se perdeu num mês, pode sim concorrer novamente, quantas vezes quiser;
7. As poesias inscritas serão automaticamente deletadas a cada etapa;
8. O projeto é, bem lá na frente, editar uma antologia, virtual e em papel, sem custo algum para os selecionados;
9. Envie sua poesia para poetaulisses@terra.com.br com o Subject/Assunto “Concurso de Poesia”;
10. No email deve conter: poesia com título; nome do autor; mini-biografia; foto (em alta); email do autor e twitter (se houver).

sábado, 4 de junho de 2011

A COR DA NOITE

Quando eu era adolescente, minha professora de Educação Artística falou (se bem me lembro!) que o branco era a reunião de todas as cores, e que o preto era justamente a ausência delas.
Para mim, naquele momento, isso não fazia a menor diferença: eu não gostava de Arte, não gostava daquela professora, eu não gostava de nada!
Anos mais tarde, já adulto, me tornei um espécime da noite. Do preto da noite. Curtia as aventuras, os pecados, os mistérios... e o que mais se pode imaginar!
Aqui entra em cena a minha antiga professora. Quando a vi no bar, não tive logo a certeza se era ela mesma ou não. Estava velha e feia, e bebia sozinha ao pé do balcão. Me aproximei, fiquei observando por algum tempo, então falei:
– Dona Carmem?
Ele me olhou surpresa, e bastante séria:
– Quem é você?
– Fui seu aluno na sexta série...
– É?
– A senhora dava arte. Falava de Van Gogh, das cores...
Ela bebeu uma dose.
– A senhora lembra de mim?
Ela respondeu com ironia:
– Olha, se eu fosse me lembrar de cada aluno que eu tive!
E lascou uma gargalhada ferina bem no meio da minha testa...
Completamente sem graça – o bar estava cheio, muitas pessoas ficaram me olhando – fui para o outro lado do balcão e pedi uma cerveja. Bebi o mais rápido que pude, vez por outra olhando de relance para a megera, e cego de fúria saí do bar.
Fiquei esperando.
Quando a professora, meio trôpega, deixou o bar, eu a segui pela calçada.
Num trecho escuro, agarrei-a por trás e sussurrei em seu ouvido:
– A senhora não lembra mesmo de mim? Do seu aluninho?
– Não...
– Tem certeza, vagabunda?
– Tenho...
Disparei duas vezes, para ela aprender a lição.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

O VISITANTE

                 
           Ele – o meu visitante – chega em silêncio. Eu nunca ouço o som dos seus passos entrando, até que uma onda de perfume me coloca em alerta. E aí meu coração dispara...
           (Curioso: faz meses que a gente se encontra – sempre nas terças, às dez para a meia-noite – mas, para mim, é como se fosse ainda a primeira vez. Seria isso o quê? Apenas um desejo proibido... e incontrolável?)
       Então, de repente, ele irrompe no quarto. Ambos sorrimos, e ele vem sentar-se ao meu lado na cama. Me beija na boca, um beijo faminto e nada comportado.
                “Tudo bem com você?”, pergunta ele em seguida.
                “Comigo tudo ótimo, e você?”
                Ele me beija de novo, enquanto me joga na cama com a fúria de um touro. Eu já sinto o seu membro rijo me espetando as coxas nuas – pois é assim mesmo que o espero: nua em pelo, somente os cabelos caindo sobre os meus seios, nada mais.
               Finalmente livre de suas roupas – exceto a gravata –, ele entra em mim. No princípio devagar, depois de uma forma tão intensa que não poucas vezes minha cama veio a abaixo.
  Gozamos juntos, eu e ele. Ele afaga meu rosto, me cobre de beijinhos carinhosos, sorri e vai embora.
   “Até terça”, diz ele fechando a porta do quarto.
  Eu respondo:
  “Até, meu querido...”
  É, mas eu preciso tomar precaução com isso... Semana passada, ao me despedir, eu quase digo:
 “Até... Até terça, meu amor!...” 

O HOMEM AO LADO

            Ele entrou no ônibus e, com tantas cadeiras vazias, veio sentar-se justo do meu lado. Por um segundo, nossos olhares se cruzaram e ele sorriu. Eu retribuí a gentileza, e voltei minha atenção para o livro que estava lendo.
Li duas ou três páginas, mas não consegui mais me concentrar. O sujeito, ali pertinho, me perturbava… Eu nunca tinha sentido aquilo antes, era algo completamente diferente de tudo que eu já experimentara dentro – ou fora – de uma condução!
           Pensei em mudar de cadeira, mas no fundo eu sabia que não era isso o que eu queria... Portanto, resignei-me a fingir que lia o livro, até que um de nós dois saltasse. Ou os dois ao mesmo tempo, quem sabe... Por que não?
Teve uma hora que o braço do estranho roçou no meu – ou talvez tenha sido o meu que roçou no dele, não sei dizer! – e eu quase entro total em desespero. Disparei a suar frio, e meu corpo começou a formigar nas costas, nos braços, no rosto, em tudo quanto é canto!
            Para minha decepção, o homem levantou-se algumas quadras à frente. Arrisquei uma olhada mais indiscreta. Ele aparentava uns quarenta anos, se vestia como um executivo, era muito calvo e ostentava um cavanhaque que necessitava de um retoque urgente...
           Quando ele desceu do ônibus, eu suspirei extasiado. Sentia-me como se tivesse acabado de encontrar o que há anos buscava em cada homem que me levava para a cama. Foi uma sensação tão boa, que tive vontade de me levantar da cadeira e ali mesmo cantar, dançar, sorrir, gargalhar...
Mas me contive e esperei. E, mal entrei em meu apartamento, botei uma música agitada e dei o maior espetáculo da minha vida; uma senhora apresentação – coisa de fazer até a Madonna se morder de inveja!

RIO NOTURNO

             
                Sobe no parapeito da ponte, tentado a pular nas águas turvas do rio.
                – Ei, você aí!
                Do susto, Tonho quase perde o equilíbrio e cai de vez...
               O intruso era um ruivinho de óculos, livro debaixo do braço:
                – Vai pular mesmo?
                – Por quê? Você vai me impedir?
                – De jeito nenhum! Quero é pular com você...
                – O quê?
                – Faz tempo que eu queria pular, sabe?
                – Não já pulou por quê?
   – Faltou coragem de pular sozinho... Aí eu estava na praça lendo esse livro de poesias, vi você passando pra esse lado e pensei: “Esse cara está indo pular da ponte.” Então vim correndo atrás de você. Posso subir aí?
                – Vai embora, não me enche saco!
                – Por favor, amigo, me deixe pular com você!
                – Não sou seu amigo. E saia logo daqui enquanto não te quebro a cara de porrada!
                – Calma, calminha, eu já vou embora... Mas antes me fala uma coisa, pode ser?
    – Que coisa?
                – Por que você quer morrer?
                – Não é da sua conta!
                – OK, ok, desculpe a intromissão... Vou embora. Tchau!
                – Espera!
                – O quê?
                – E você... por que está querendo morrer?
                – Sei lá! Desde pequeno sempre tive a vontade de pular dessa ponte, uma noite... Você tinha essa vontade também?
                – Não, é que ando meio chateado com umas coisas, entende?
                – Sei como é... E aí, vai me deixar pular com você?
                – Você quer mesmo?
                – Ora se quero!
                Sorrindo, Tonho desce do parapeito.
    O ruivinho se desespera:
                – O que foi? Não me diga que desistiu!
                – Desisti...
                – Só porque eu ia pular com você?
                – Não é isso, não... Eu não quero morrer, acho que só me precipitei um pouco...
                – E agora?
                – Agora, se você quiser, vai ter que pular sozinho!
                – Ah, não! Sozinho de jeito nenhum!
                Sorrindo de novo, Tonho propõe tomarem uma cerveja num bar qualquer.
    – Ou uma cachaça, se você preferir...
                O outro, ligeiro, estende a mão:
                – Feito! Como você se chama?