quinta-feira, 3 de março de 2011

ESTRANHO ALÔ

O telefone toca, ele atende sonolento:
– Alô...
Do outro lado da linha, uma voz de homem:
– Tá pronto pra morrer?
– O quê...?
A voz repete:
– Tá preparado pra morrer?
– Quem fala?
Cai a ligação. Ele volta para a cama xingando esse pessoal que não tem o que fazer e fica ligando para a casa dos outros no meio da madrugada.
– Quem era?, pergunta sua mulher...
– Foi engano. Volte a dormir.
Ela dorme logo, mas ele não consegue mais...
Quando o dia amanhece, seus olhos ardem quem nem pimenta malagueta.
Toma um banho frio, beija a esposa e vai para o escritório.
– O que você tem, Miguel?, pergunta Egídio, seu colega, assim que ele entra.
– Como disse?
– Você tá um trapo, cara!
– Dormi mal, só isso...
Ele passa toda a manhã numa gastura danada...
No almoço, sente uma embrulhância no estômago na primeira colherada.
No fim da tarde, seu chefe o chama no escritório dele. Parece apreensivo.
– Miguel, você é um dos meus funcionários mais antigos, é a bem dizer meu amigo... Vou lhe fazer uma pergunta e quero que você me fale a verdade... somente a verdade, certo?
– É sobre o meu desempenho esta manhã, seu Rui? Olhe, o senhor me desculpe, é que esta noite eu não dormi direito e...
– Não, não é sobre isso...
– Então o que é?
– Você é casado, não é?
– Vivo com a Neide... Separei da primeira tem uns dois anos, o senhor sabe...
– Pois sim, sem querer ser indiscreto... O motivo da separação de vocês, por acaso, foi traição?
– Não, seu Rui... é que não estava dando certo, entende?
– Entendo!
– Por que o senhor tá me perguntando isso?
– Bem, não sei como te falar isso... Bom, vamos lá: o que você faria se descobrisse que a Neide, sua mulher, andava te traindo?...
– Eu não faria nada, seu Rui. Deixava ela seguir o rumo dela e ia seguir o meu.
– Isso, Miguel. É assim que se fala! Obrigado. Agora volte pro seu serviço...
À noite, ele comenta com a Neide sobre a pergunta esquisita do patrão.
Ela sorri:
– A mulher dele deve tá corneando ele, só pode ser!

 ...

Dias depois, madrugada...
– Alô...
– Tá preparado pra morrer?
– Quem tá falando aí?
– Seu chefe, não tá reconhecendo a voz?
– Seu Rui...?! Mas o que o senhor...?
Cai a ligação.
Na manhã seguinte, ele vai ter com o pilantra:
– Seu Rui, no mínimo eu exijo de uma explicação!
O velho começa a chorar. Diz, gaguejando, que está apaixonado por sua esposa...
– A Neide? Mas... de onde vocês se conhecem?!
– Ela trabalhou um tempo lá minha casa... Foi babá do Juquinha, meu filho do meio. Aí naquele dia eu liguei pra lhe dar aquele recado das promissórias do Valfrido, lembra?
– Lembro!
– Pois é... Aí ela atendeu, eu reconheci a voz...  E agora não paro de pensar nela! Liguei pra lá umas vezes, mas ela desliga na minha cara... Então eu queria lhe propor um negócio, Miguel... Quanto você quer pra deixar a Neide? Pago uma boa quantia!
Ele voou em cima do coroa e, se não fossem os outros empregados, teria esganado o sacana.
Saiu de lá chispando, enquanto ouvia a voz tremida do velho, aos prantos:
– Oh, meu Deus! Por quê?... Por quê?... Por quê?...
Chegando em casa, perguntou à mulher por que ela não havia lhe contado nada.
– Desculpe, meu amor. Não fiz por mal. Aquele velho não passa de um idiota, nem levei a sério o que ele dizia!

...

Naquela mesma noite, o telefone toca no horário das outras duas ligações...
Ele tende furioso:
– Olha aqui, seu...
– Oi, filho, é a Mamãe. Desculpe eu te ligar tão tarde, mas é que eu tive um sonho ruim com você e a Neide e fiquei preocupada... Tá tudo bem com vocês? Miguel?...