quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ANTES DA MEIA-NOITE

“À meia-noite em ponto, os espíritos dos mortos se levantam de suas sepulturas e vão espalhar o medo e o terror sobre o mundo dos pobres vivos... Eu vou contar, agora, uma história terrível para vocês; uma história de assombração acontecida há muito, muitíssimo tempo... Então, estão preparados para fazer xixi nas calças de tanto medo? Olhem lá, hem? Quem não conseguir dormir hoje à noite, não será por minha culpa! Eu já avisei que é uma história apavorante, sem dúvida uma das mais brabas que já contei para alguém... Estão preparados?”

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Não, ninguém chegou a fazer xixi nas calças. Ou, pelo menos, ninguém admitiu isso – e quem seria louco de admitir uma coisa dessas?!... Mas a história da minha Tia era realmente de arrepiar! Ouvimos tudo em silêncio, o coração tuc-tuc, tuc-tuc, tuc-tuc... Eu mesmo – estou certo disso! – fui um dos que não conseguiram dormir naquela noite. A toda hora eu acordava sonhando com elementos da história  fosse o fantasma do enforcado, a menina de cara pálida que gostava da lua cheia, as galinhas azuis falantes, ou os gritos histéricos das mulheres ao ouvirem passos em cima do telhado...

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Agora sou eu quem conta histórias para os outros... Sou escritor – e sei que devo isso à Tia Bilu, a melhor contadora de histórias que já conheci! Seu repertório parecia que nunca ia ter fim – e olha que eram três ou quatro histórias toda noite! Uma vez perguntei onde ela aprendera tantas histórias, e ela disse (gesticulando mais que o normal) que as ouvira de sua avó, que, por sua vez, as tinha ouvido de sua avó – e assim por diante... Não sei, não, mas para mim ela inventava todas aquelas peripécias... Só sei que, quando a noite caía, lá estávamos nós, meninos e meninas – e até adultos da vizinhança! –, fazendo festa ao seu redor; e então ela desfiava um rosário de histórias de todos os tipos possíveis e impossíveis: casais apaixonados, monstros alados, malandros espertalhões, almas penadas...  As minhas preferidas sempre foram mesmo as de terror – como aquela que não me deixou dormir direito... Engraçado: eu morria de medo, mas gostava disso! Não consigo explicar direito essa sensação que até hoje me acompanha, seja escrevendo uma história assombrada ou vendo filmes de terror na calada da noite... Acho que lá no fundo me agrada sentir aquele friozinho na espinha, será isso?!?

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Tia Bilu morreu aos 92 anos. Morreu como um passarinho, como já disse alguém que, no momento, não lembro quem. Pois esta noite faz exatos 13 anos que ela se foi...  Coincidentemente, estou escrevendo meu décimo terceiro livro – que será, por motivos óbvios, dedicado a ela. O livro chama-se “Histórias Maravilhosas da Tia Bilu”, e é um apanhado das principais histórias contadas por minha querida Tia, histórias que, apesar do tempo – eu era apenas um garotinho quando as ouvi! – jamais esqueci ou vou esquecer... Agora quero compartilhá-las com meus leitores, e espero que eles gostem tanto de lê-las quanto eu gostei de ouvi-las...

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Hoje – graças a Deus e à minha Tia – sou um autor de sucesso. São 12 obras publicadas (Tia não leu nenhuma, ela não sabia ler, mas admirava as capas e sentia orgulho de ter um sobrinho-filho escritor), e milhares de leitores fiéis em todo o país que expressam seu carinho através de e-mails, cartas, telefonemas... Ontem mesmo, recebi um e-mail de uma garota perguntando quando sairá meu novo romance, “afinal” – suspirava ela – “já tem dois anos que o Sr. não publica uma linhazinha sequer!” Respondi o e-mail, evidentemente: “Até o fim do ano, Diandra. Quem sabe no Natal... Pode esperar!”

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Mas meu editor está deveras apreensivo acerca deste meu novo livro. Ele acha que, para quem publicou 12 títulos bem-sucedidos no segmento “suspense e terror”, será correr um risco desnecessário lançar uma obra tão divergente... “Imagine só”, disse ele, “o choque que será para o seu leitor – acostumado a ler ‘A Casa Sombria’, ‘Pacto Mortal’, ‘Terror e Êxtase’... – de repente se deparar com ‘Histórias Maravilhosas da Tia Bilu’! Cara, você não percebe o perigo, não, Fontana?!” “Aderbal, meu amigo, eu preciso correr este risco!”, respondi sorrindo...

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“Tia Bilu, onde você estiver, este novo livro será para você... Para você e para mim! Se meus leitores não gostarem, fazer o quê, né? Depois escrevo outro para eles... Ando mesmo com umas ideias para um novo romance, que, a princípio, se chamará ‘Calafrios à Meia-Noite’. Acho que esta história promete, de verdade!... Mas isso, Tia, é intento para daqui a alguns meses, talvez alguns anos; sei que ainda tenho bastante tempo pela frente, sou apenas um homem a meio caminho da maturidade... Por enquanto, estou vivendo as nossas histórias maravilhosas, revivendo as noites felizes da minha infância ao seu lado... E tudo isso, Tia, pode acreditar – está me fazendo um bem danado!...”

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

INGRATIDÃO











Foi pôr os olhos nos teus olhos
E querer-te logo – inteira – para mim...
Meu lábio tremeu, a mão congelou,
Não consegui nem dizer palavra!
Dias depois, entretanto,
Andávamos coladinhos pelo parque,
E sorríamos, e falávamos das borboletas
– E outras coisinhas assim...
Jurei haver encontrado o remo, a direção!
Tudo inútil... Carinhos em vão!
Chorando, agora lamento o tempo que perdi...
Dei-te todo o meu amor
E, em troca, tu zombaste dos meus poemas
E, sem dó, pisoteaste a minha flor!...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

ENGOLINDO ESTRELAS...

(Fábula Alucinada Sobre O Poder)

Era uma vez Astrogildo – um sapo...


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Astrogildo, antes sem eira nem beira (a não ser, claro, a beira do riacho onde morava!), adquiriu fortuna (e crescente má-fama!) ao ganhar (sozinho!) o prêmio máximo da loteria...
Excêntrico, narcisista e agora podre de rico – sua primeira iniciativa foi erguer um castelo magnífico na área nobre da cidade. Uma obra-prima da arquitetura, misto de construção medieval com a novíssima tecnologia do século vinte e um!
Quando o castelo começou a ser projetado, Astrogildo avisou logo para o pessoal contratado para o serviço:
 – Quero que ele tenha uma torre bem grande, que encoste nas estrelas!
E assim foi feito!
Castelo pronto (mobiliado e decorado por gente vinda do exterior!), Astrogildo mudou-se de mala e cuia para lá; nem ao menos se despediu da família ou de seus antigos amigos lá do brejo...
Durante o dia, Astrogildo supervisionava a criadagem, dando ordens e enchendo a paciência de todos – homens, mulheres, idosos e até crianças! – com sua arrogância, suas vontades descabidas:
– Faça isso, faça aquilo, não está bom, faça de novo!
Mas, quando a noite caía, Astrogildo colocava roupas maravilhosas, se perfumava todo e ia para o alto da torre. O elevador – chiquérrimo, cheio de espelhos! – levava poucos minutos para chegar às alturas...
Lá em cima, Astrogildo distraía-se admirando as estrelas e cantarolando desafinado musiquetas da moda ao som do violão que ele tocava muitíssimo mal.
Uma noite, entre uma canção (ou aberração) e outra, de repente teve uma ideia no mínimo imoral: esticando sua língua enorme, engoliu uma estrelinha boba que sempre se emocionava ao vê-lo cantar...
Dali em diante, Astrogildo largou o violão de mão e ficava só engolindo estrelas, para desespero das coitadinhas.
Ao final de um certo período de engole-engole ininterrupto, viam-se poucos milhares de estrelas – as mais distantes possíveis! – em toda a vastidão do firmamento...
E o passatempo medonho prosseguiu, noite após noite... Nada impedia aquela língua absurda!
Como se pode imaginar, a barriga de Astrogildo crescera de forma assustadora. Devido aos quilões adquiridos, o sapo mandou alargar e reforçar a estrutura da torre, e investiu pesado num elevador que lhe garantisse segurança e comodidade em suas constantes subidas e descidas.
Não muitos meses depois da finalização da nova torre, restavam apenas algumas centenas de estrelinhas no céu. Astrogildo, guloso, papara tudinho...

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O céu, agora, era de uma tristeza só...
As pessoas da cidade lamentavam o que tinha acontecido, mas ninguém tinha coragem de falar nada contra o sapo... Afinal de contas, ele era um figurão poderoso!
– Qualquer hora dessas o tirano acaba com as estrelas e aí vai comer a Lua também! – diziam em surdina... E somente em surdina!
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Naquela noite, como sempre, Astrogildo foi para o topo da torre. Sentia uma dorzinha incômoda na barriga – talvez tivesse sido a sopa de vaga-lumes do jantar! –, daí pegou seu violão e começou a cantar para espairecer um pouco. Vez em quando interrompia o show e engolia uma estrela. Ficou nessa folia até perceber, contrariado, que restava uma única estrelinha brilhando ao longe, bem ao longe...
Largando o violão, concentrou toda a sua atenção na estrelinha remanescente e tremulante...
A dor de barriga aumentara horrivelmente, e Astrogildo pensou em descer da torre e pedir remédio ao seu criado-médico.
– Depois faço isso, agora tenho um trabalho importante para terminar...
Então, sua língua gigantesca agarrou a última estrela...
Foi o tempo de engolir a pobrezinha... e ouviu-se um estrondo espetacular!
Nos bares, nas praças, nas ruas, nas casas – a população inteira pensou numa catástrofe de proporções colossais! Mas, passado o susto, verificaram aliviados que tudo continuava dentro da normalidade – exceto pelo céu, novamente repleto de estrelas!
– Ué, o que aconteceu? Será que o sapo vomitou tudo?! – perguntavam-se atarantados.
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Na cidade ou no palácio, ainda não se sabia... mas, ao engolir a derradeira estrela, o barrigão de Astrogildo (cheio até o limite!) explodira, libertando uma inócua e rejubilante procissão de estrelas – e devolvendo o brilho e a beleza à noite sobre o mundo...